terça-feira, 13 de agosto de 2013

VOLTAM AS PULGAS

Ouvi de um colega recentemente que, neste inverno, as queixas sobre pulgas aumentaram significativamente. Pode ser. Afinal, quando o frio aumenta, os animais de estimação como cães e gatos procuram permanecer mais tempo dentro das habitações e assim, quando infestados, levam consigo as pulgas. Pensando nisso, resolvi dar um novo passeio no assunto pulgas e me lembrei que lá pelos idos de 1999, o Professor Francisco Mariconi (in memoriam) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz publicou um livro técnico (Insetos e outros invasores de residências) do qual foi o coordenador. O livro reunia uma coletânea de capítulos, cada qual escrito por um autor diferente e nos coube a honrosa tarefa de escrever o capítulo que tratava das pulgas. Desse capítulo extrai alguns tópicos principais ou interessantes para voltar a abordar o tema pulgas neste blog. Aí vai. Insetos altamente especializados, frutos de uma evolução caprichosa de alguns milhões de anos, as pulgas conquistaram seu espaço em todos os continentes por todo o planeta (exceto na Antártida), distribuídas em cerca de 2.200 diferentes espécies e subespécies, parasitando uma enorme variedade de animais de sangue quente ou mesmo frio. Artrópodos que se desenvolvem por meio da metamorfose completa (ovo, larva, pupa e adulto), as pulgas são insetos (três pares de pernas, lembram-se?) que possuem caracteristicamente vida longa. Suas larvas (também chamadas de instares) podem retardar seu desenvolvimento se faltar alimento e os pré adultos podem permanecer dentro de seus casulos enquanto não houver um hospedeiro adequado no ambiente. A maioria das espécies de pulgas abandona seu hospedeiro de tempos em tempos e eventualmente vai parasitar outros hospedeiros, o que facilita a transmissão de certos agentes patogênicos (causadores de doenças) como vírus, bactérias e riquétsias. As pulgas parasitam mamíferos de todos os tipos e tamanhos, incluindo elefantes, marsupiais e morcegos; a maioria parasita roedores e lagomorfos (coelhos e lebres). Um grupo de pulgas tornou-se importante por atacar a espécie humana, a quem causa uma série de problemas. Uma dúzia delas, que atacam roedores comensais e maior ou menor grau, tornaram-se, ou estão em processo de tornar-se, cosmopolitas (moradores de cidades), associando-se ao homem, a seus animais de estimação ou de produção; já são ou vão ser sinantrópicas (que vivem em torno da espécie humana). Entre essas, rapidamente podemos enumerar: a Xenopsylla cheopis muito encontradas em roedores urbanos, sendo a principal transmissora da peste e do tifo murino; a Xenopsylla brasiliensis, transmissora potencial da peste e muito encontrada na Índia (de onde provavelmente se originou) e no Brasil; a Pulex irritans que pode parasitar igualmente humanos, suínos, caprinos, raposas, coiotes, texugos, cães, gatos e aves; a Ctenocephalides felis, a conhecida pulga do gato que se tornou completamente sinantrópicas, pois experimentou uma adaptação notável ao cão doméstico, tendo sido também isolada em roedores, cabras, bovinos, raposas e mangustos, entre outros mamíferos; a Ctenocephalides canis, a verdadeira pulga do cão é igualmente cosmopolita e parasita outros canídeos, sendo outra transmissora da peste; a Tunga penetrans, conhecida no Brasil com o nome popular de “bicho do pé” que pode se tornar um sério problema de saúde pública. Há outras espécies de pulgas que frequentam as estatísticas, mas para efeito deste post já está bom. Gostaria de comentar um pouco sobre as zoonoses (doenças transmitidas ao homem pelos animais) e outras doenças transmitidas pelas pulgas, para que possamos situar esses insetos no contexto ambiental onde vivem (e vivemos nós). Têm sido observadas em seres humanos, e frequentemente em animais, severas dermatites (inflamações da pele) e outras reações cutâneas de caráter alérgico provocadas pelas pulgas, especialmente quando as infestações são maciças. A presença de uma proteína de baixo peso molecular existente na secreção oral da pulga, absorvida a partir do ponto de inoculação, desenvolve um hipersensibilização do hospedeiro às picadas posteriores; dessa forma, após esse período de latência (o período que vai da picada da pulga até que o corpo do hospedeiro reconheça essa proteína e passe a produzir anticorpos contra ela), uma nova picada desenvolve localmente uma pequena área de inflamação cercada de vermelhidão e coceira; muitas picadas, muitas áreas dessa reação cutânea com extremo desconforto do hospedeiro. Contudo, a verdadeira importância das pulgas reside na transmissão de zoonoses, algumas de curso até mortal. Citando apenas as mais sérias e principais, começaria pela Peste (bubônica, pneumônica e septicêmica), um zoonose de curso mortal causada pela bactéria Yersinia pestis cujo hospedeiro principal são certas espécies de roedores. Nessa doença, dentro da cadeia de transmissão, morre o roedor infectado, morre o homem que foi infectado pela picada da pulga infestada e morre a pulga que fez todo esse estrago. Vou lembrar também do tifo murino causado pela Rickettsia mooseri; é uma infecção de roedores comensais principalmente do gênero Rattus. A tularemia é uma zoonose transmitida principalmente por carrapatos e certas moscas, mas pode ser transmitida também por algumas espécies de pulgas. A Tripanossomiase murina pode ser transmitida tanto pelos piolho dos ratos (Polyplax spinulosa) como pela pulga N. fasciatus e outras pulgas de lebres, roedores e coelhos. Quem não ouviu falar das salmonelose? É uma doença intestinal de roedores, especialmente os sinantrópicos, causada pelas Salmonella enteritides e S. typhimurium, ambas bactérias transmitidas por pulgas, tanto pelas fezes desses insetos como pelo material regurgitado. E lembro ainda da mixomatose, da microfilaríase canina, da dipilidiose e, para terminar, da tungíase (bicho do pé), onde a pulga Tunga penetrans (infesta roedores, suínos, cães, gatos, bovinos e os humanos) aloja-se completamente na derme do hospedeiro, deixando apenas um diminuto orifício para respirar e para a saída de seus excretas, ovos e até larvas I já eclodidas. Problema sério, muito sério em saúde pública, nas regiões onde ocorre. Para não cansar demais nosso leitor, vou deixar um pouco mais desse tema das pulgas para um próximo post. Não perca!

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