quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

REMINISCÊNCIAS

Caramba! Estou ficando maduro! Eu disse cronologicamente maduro, não desatualizado, antes que alguém me venha com essa! Percorri um longo e gostoso caminho até aqui nestes 42 anos de profissão, foi um longo e detalhado aprendizado, todos os dias. Olhando bem até, tenho a convicção de que contribui de diferentes formas para a evolução deste ramo de conhecimento do controle de pragas e ainda tenho um punhado de idéias que precisariam ser testadas. Com prazer leio e escuto falar sobre os novos avanços tecnológicos e novas pesquisas. Em um desses momentos, conversava por internet com uma amiga bióloga dessa “velha guarda” quando ela citou a Pasta Zélio, um antigo raticida da Bayer muito popular há décadas atrás, desbancada pelo surgimento das 4-hidroxicumarinas. A partir daí, entre risadas eletrônicas, começamos a lembrar alguns produtos que existiam no arsenal do combate às pragas em nosso país e que fizeram parte do nosso cotidiano daqueles tempos. Especialmente para os mais jovens, mas também para delícia dos “old timers”, resolvi montar um post falando daqueles produtos antigos que tão bons serviços nos prestaram.
A chamada “revolução industrial”, iniciada por volta do ano 1800, possibilitou incríveis avanços tecnológicos a partir da produção em massa de uma série infindável de produtos. A indústria química ganhou especial atenção no campo fabril. A obtenção de matérias primas sintéticas a partir dos subprodutos do carvão, nitrogênio e fosfatos fez crescer as possibilidades de múltiplos e novos usos. Entrava-se no século XX com a visão de universo totalmente transformada pelas possibilidades que se apresentavam pelo avanço tecnológico. A química era tida como uma ciência que transpunha todos os problemas do mundo moderno. Neste ambiente de desenvolvimento industrial, principalmente nas suas últimas décadas, houve um crescimento desenfreado e desmedido na utilização de produtos químicos pelo homem, por conta dos benefícios que se pretendiam obter com os mesmos, algumas vezes acarretando prejuízos tanto ao meio ambiente como à sua própria saúde e que se faz sentir até os dias atuais. A propaganda, seja em cartazes, seja em anúncios e cartões-postais, tinha papel primordial nesse contexto. De modo geral, os produtos procuravam conquistar o consumidor, especialmente aqueles que nunca tinham tido a possibilidade de desfrutar de um padrão de vida melhor: cura de doenças, controle de pragas (especialmente insetos e ratos), limpeza mais eficiente, menos esforço nos afazeres domésticos... A grosso modo, podem ser distinguidos dois tipos de propaganda: a que valorizava a eficácia frente a uma determinada situação, até mesmo exacerbando suas qualidades, com omissão aos perigos do uso indevido ou de manipulação por pessoas inabilitadas (crianças, principalmente) e a que mostrava as virtudes do produto por meio de uma história fictícia que envolvia e convencia o consumidor a adquirir o mesmo. A sedução era o “segredo” para conquistar novos consumidores, com “boas doses de exagero” prometendo, muitas vezes, confortos e regalias que não se verificavam com o tempo. Existiram também propagandas curiosas de produtos que passavam a idéia de que a Química tinha o poder de criar produtos inesgotáveis, no caso, uma falsa qualidade do produto, como atesta o trecho a seguir: “os melhores banhos são os de cascatas onde a água nunca se acaba... e os banhos mais deliciosos são tomados com o sabonete Vale Quanto Peza, o sabonete que também nunca se acaba”.
Já que falamos, vamos começar pela velha Pasta Zélio (nunca descobri a razão desse nome) cujo ingrediente ativo era o sulfato de tálio, que era fabricada e distribuída pela Bayer lá pelas décadas de 40 e 50. Soube que a Pasta Zélio era formulada como uma pasta verde (para se colocar em algum alimento apetecível pelos ratos) e em grânulos (isca).
Peguei o finalzinho da comercialização desse produto, porque a própria Bayer o descontinuou quando lançou seu raticida Racumin na década de 50 no Brasil, um hidroxicumarínico bem mais seguro que o sulfato de tálio. Soube que no México, a Pasta Zélio ainda é comercializada, não sei por qual empresa fabricante.
Outro produto bem conhecido desde tempos idos é o ácido bórico (ou bórax), disponível em cristais incolores ou sob a forma de pó branco. Eclético, o ácido bórico era usado como inseticida, como antissético em pequenas feridas ou queimaduras, como adubo e até como reatardante de chamas. Como inseticida atuava na forma de pó contra pulgas e cupins; misturado com algum atrativo, como o açúcar de confeiteiro, era ótimo contra formigas doceiras e baratas. Relativamente pouco tóxico, pouco mais que o sal de cozinha (DL50 de 2.660mg/kg) era largamente utilizado nos ambientes domésticos. Lembro-me de uma propaganda veiculada via rádio que dizia (com voz de japonês): “Massinha miragrosa, mata as balatas de sua casa”. Vendia muito, antes do surgimento das pastas e géis baraticidas à base de hidrametilnona e fipronil.
E quem se lembra do Neocid? Era uma pequena lata que continha um pó branco; a lata era fechada e continha um orifício lateral recoberto por um selo colado. Bastava remover o selo e prmer a lata no ponto indicado e saia um borrifo de pó. Pertencia à Ciba-Geigy e o i.a. era o DDVP. Existe ainda hoje e seu descendente atual é o Neocid Mortein pó contra formigas e pulgas (da Reckit Beckinser), à base de carbaril (um carbamato). O velho Neocid era muito utilizado pelas mamães para eliminar piolhos da cabeça de seus pimpolhos. Polvilhava os cabelos, punha um pano envolvendo a cabeça e aí o deixava por uma hora; removia o pano e todos os piolhos estava mortinhos da silva! Depois era só passar um pente bem fino (qualquer farmácia o vendia) para remover a lêndeas (ovos). Grande Neocid. Nunca ouvi falar que alguma pessoa tivesse se intoxicado com ele! Injustiçado, como o velho DDT.
Outro velhinho é o Verde de Paris, o nome popular de um composto descoberto em 1808, o Aceto Arsenito de Cobre, um pó de cor verde intenso que começou a ser comercializado em 1814, não como praguicida, mas sim como um mero pigmento para tintas; em 1814 descobriu-se que as tintas que levavam esse composto eram tóxicas e muitos pintores foram envenenados por esse pigmento sendo ele completamente banido das tintas. Apenas em 1867 o Verde de Paris foi introduzido no combate a pragas, inicialmente utilizado o escaravelho da batata. Em 1900 era usado em tão larga escala que levou o governo dos Estados Unidos da América a estabelecer a primeira legislação no país sobre o uso de insecticidas e o heróico verde de Paris foi proscrito.
Quem ainda se lembra do Detefon? Quero dizer, o antigo, porque ele ainda está à venda nos supermercados e assemelhados (é da Reckit Benckiser). Falo daquele que vinha em latinhas de 500 ml e que precisava de uma bomba manual para ser aplicado. Falo daquele cuja propaganda dizia que ele era eficaz contra mosquitos (pernilongos) da malária, da febre amarela, do tifo, das baratas e pulgas, pois ele era o anunciado “mata tudo”, expressão que só foi proibida pela Anvisa em 1997. O primeiro fabricante foi o Laboratório Fontoura e, depois, a Anakol comprou seus direitos; tornou-se extremamente popular na década de 50 devido seus ótimos resultados. Detefon continha DDT (por isso é que matava tudo mesmo) até a proibição desse organoclorado.
Falando em Detefon, me lembrei do FLIT, lançado para uso doméstico em 1923. Tratava-se de um óleo mineral, derivado do petróleo, indicado para combater mosquitos ao ser aplicado através de uma bomba manual tão popular que podia ser encontrada em qualquer biboca que se prezasse. A propaganda do Flit no Brasil usava o mesmo soldadinho de túnica vermelha empunhando a bomba do produto.
Lá na gaveta das lembranças primevas, ainda tem outros produtos como o Neguvon e outros. Mas isso vai ficar para outra vez.

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