sábado, 15 de outubro de 2011
UM POUCO SOBRE A FORMIGA SAÚVA (Atta capiguara)
Nossa amiga e leitora Ivone nos indaga sobre o controle da formiga saúva (Atta capiguara) e seu controle em âmbito urbano. Vamos, então, passar uma rápida vista sobre esse tema.
A saúva é uma séria praga tipicamente rural que traz grandes dores de cabeça ao agricultor, pois sua ação pode ser literalmente devastadora. Ainda que seja rural, a formiga saúva está presente também no meio urbano infestando jardins tanto públicos, quanto particulares, gramíneas, viveiros de mudas, áreas de reflorestamento, etc. Atacam quase todas as culturas, cortando folhas e brotos tenros, com extrema habilidade e rapidez. Sob o nome de formiga saúva, abriga-se um expressivo número de diferentes espécies de formigas, especialmente do gênero Atta (mais de 200 espécies), também conhecidas como formigas cortadeiras. Insetos tipicamente sociais, seus formigueiros são formados por várias câmaras, cada qual com um tipo de finalidade específica. A sociedade das saúvas é composta por várias castas. As saúvas cortam pedaços de folhas que carregam aos seus ninhos a fim de semear e cultivar fungos que constituem seu alimento exclusivo. Aliás, existem apenas duas espécies que plantam e colhem seu alimento: o homem e a formiga cortadeira. Recebem incontáveis nomes regionais em nosso país, além de saúva: formiga cabeçuda, carregadeira, manhuara, maniuara, picadeira, roçadeira, caiapó, lavradeira, etc. As folhas e outras partes de plantas são levadas ao formigueiro para servirem de substrato para o cultivo do fungo mutualista do qual as formigas se alimentam (Leucoagaris gongylophorus, este é o nome mais aceito atualmente). A saúva rainha é conhecida com o nome de içá (ou tanajura) e os machos são os bitus (ou sabitus); em certos dias claros do começo da estação chuvosa, a geração de saúvas criada para serem reis e rainhas, já alados, inicia sua revoada (conhecida como siriris ou aleluias) para a formação dos pares. As rainhas levam em suas bocas, uma bolota do fungo essencial colhida no formigueiro natal, são fecundadas e de volta ao solo busca um ponto apropriado para instalar um novo formigueiro; regurgitam a bolota de fungo e irriga-o com sua matéria fecal. Para nossa sorte, cerca de 100% das içás não chegam a formar sauveiros maduros. Durante o vôo são presas de pardais, andorinhas e sabiás; no sauveiro novo, são atacadas por tatus e outros predadores. Tanajuras fazem parte do cardápio alimentar dos índios brasileiros (fritas em salmouras e misturadas com farofas), de sertanejos e tropeiros. Mas, se você for ao mercado público de São José em Recife/PE, por exemplo, poderá adquirir a peso, içás já secos e prontos para ir à panela.
Justificando seu nome de cortadeiras, as saúvas podem, literalmente, desfolhar uma árvore inteira no espaço de apenas uma noite. As folhas cortadas e forrando o chão ao redor da árvore atacada, são então, durante o dia, picadas e transportadas para o formigueiro por milhares e milhares de carregadeiras incansáveis em filas indianas intermináveis, ladeadas por soldados ameaçadores que, com sua grande cabeça e poderosas mandíbulas em forma de pinças, garantem a segurança das carregadeiras, ao tempo que incentivam as mais morosas a acelerarem o passo. Certa vez, em uma granja avícola que cultivava um eucaliptal (lá, o eucalipto é picado em forma de maravalha, para servir de cama para os frangos e matrizes), observei logo pela manhã, um pé de eucalipto inteiramente nu, com todas suas folhas no solo formando um grande monturo em torno do tronco; ali, intensa atividade das saúvas encarregadas de picar as folhas em tamanhos menores e as carregadeiras indo em direção ao formigueiro levando cada qual um pedaço de folha. Às vezes esse pedaço era tão grande e pesado que eram necessárias duas ou mais formigas para carregá-lo. Voltando do formigueiro pela mesma trilha, outra interminável fila de carregadeiras de mãos abanando (ou seria mandíbulas vazias?). Acompanhei essa trilha operosa até o formigueiro que se situava a cerca de 500 ou 700 m de distância até ver as formigas desaparecerem no solo através de um orifício (o chamado “olho ou olheiro” do sauveiro) situado em um monturo de terra endurecida. Lembrei-me daquelas inesquecíveis imagens da Serra Pelada na década de 60, onde milhares de homens, enlameados até o pescoço, carregavam em fila indiana ungidos por cabrestos invisíveis, sacas de terra dentro de enormes crateras sob os olhos atentos do Major Curió, em busca de ouro.
Mas, voltando ao tema, a questão é como controlar as saúvas. Há décadas o Brasil (e outros países que sofrem do mesmo mal) tenta combater a saúva devido aos danos enormes às lavouras. Um método muito difundido é a aração do sauveiro, com resultados quase sempre medíocres, pois as saúvas refazem seus formigueiros com certa rapidez. Nunca presenciei, mas há outro método simples usado na zona rural: ligar com uma mangueira o cano de descarga de um trator, conectar essa mangueira ao olheiro do formigueiro, regular o motor para mistura rica e preencher a rede de túneis como CO (monóxido de Carbono); supostamente os túneis serão preenchidos pelo gás que é letal e eliminaria todas as formigas ali existentes naquele momento, incluindo a rainha. Outro método é a inundação das panelas subterrâneas com muita água, frequentemente com adição de algum inseticida pó molhável (o objetivo final é o de eliminar a rainha, sem o que não há a menor chance de sucesso). Foi o método que preconizei naquele caso citado acima usando um piretróide pó molhável na concentração de calda de 0,025% (nesse método, é preciso atenção ao biocida a ser empregado, tem que ser PM, para que evitemos contaminar em demasia o solo). Para preencher os subterrâneos de um só cupinzeiro, foram necessários nada menos que 1.300 litros de calda introduzida a partir de um tanque puxado a trator e dotado de bomba de pressão; é preciso calcular também o custo benefício. Eu poderia ter empregado um termonebulizador, mas naquela propriedade não havia nenhum disponível naquele momento. Na zona rural já existe um produto (chamado de “fumacê”) a base de cipermetrina, um fumígeno que, ao que apregoa seu fabricante, produz 100% de eliminação do sauveiro; há notícias que uma versão domissanitária estaria em vias de registro na Anvisa. Hoje, a tendência é o uso de iscas que, atraindo as saúvas passantes, são colhidas e transportadas até o sauveiro; os principais ingredientes ativos dessas iscas são sulfluramida e fluazuron. Ao que parece, não se deve tocar essas iscas diretamente com as mãos, pois as formigas deixariam de colhê-las. E nem colocá-las nas trilhas, mas ao lado delas. Sim, a maioria dessas iscas é constituída de bagaço de laranja.
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