terça-feira, 3 de maio de 2011

SOBRE O EMPREGO DE ULTRASSOM NO COMBATE AOS ROEDORES


Vamos dar um rápido passeio, bem superficial, naturalmente, sobre o tema ULTRASSOM no combate a roedores, sugerido por nossa leitora Alice, a quem desde já agradeço pela sugestão e pela oportunidade. Começando pela definição do que seja freqüência sônica e freqüência ultrassônica, ambas baseadas na sensibilidade auditiva do ser humano (audibilidade): somos capazes de ouvir sons entre 20 Hertz e 20 KiloHertz. Abaixo disso seria infrassom e acima seria ultrassom. Aparelhos que produzem sons cuja saída seja predominantemente acima de 20 kHz são, portanto considerados “ultrassônicos”. Isto posto, senta que lá vem história.
Na década de 60 começaram a surgir no mercado especializado norte americano, uns aparelhos capazes de produzir uma freqüência sonora muito alta que era perfeitamente audível aos roedores, mas que não era escutada pelos seres humanos. Na verdade, esses dispositivos ultrassônicos apenas seguiram uma linha muito antiga de experimentos iniciada empiricamente pelos agricultores chineses que já tinham sérios problemas com roedores atacando a agricultura e os depósitos de cereais. Eram dispositivos mecânicos que, supostamente, deveriam repelir através de sons e movimentos ou vibrações, os roedores infestantes de um dado local; funcionavam com mecanismos movidos à água ou vento. Donaldson, Lehrnann e Busnel em 1963 publicaram um interessante trabalho avaliando e comparando esses métodos antigos e já citavam que as respostas envolviam fatores de estresse fisiológico (intensidade do estímulo, duração, etc) como também sobre a resposta audiogênica dos roedores comensais. Nos últimos 30 anos, uma grande variedade de aparelhos de ultrassom, eletromagnéticos, vibratórios e de barreira elétrica têm sido estudados e introduzidos no comércio; para esses aparelhos ainda não existe regras legais que definam parâmetros a serem cumpridos pelos fabricantes, de forma que qualquer um pode colocar seu produto no mercado e anunciá-lo da forma que desejarem contra qualquer tipo de praga. Que felicidade! Pelo menos no nosso país, enquanto não existirem parâmetros legais. Nos Estados Unidos onde já existem parâmetros definidos pela EPA (Environmental Protection Agency), alguns aparelhos de ultrassom demonstram eficácia apenas marginal (30 a 50% de redução de movimentação) e rápida acomodação dos roedores (3 a 7 dias).
A bem da verdade é preciso dizer que bem pouca coisa tem sido publicada sobre o uso de aparelhos ultrassônicos que quase nenhuma atenção tem recebido de eventuais pesquisadores. Em vinte anos surgiram em revistas científicas não mais de dois ou três trabalhos. Mesmo assim, vamos tentar aclarar certos pontos e aspectos dessa discussão. Os aparelhos que produzem e emitem ultrassons usados contra roedores baseiam-se no conhecimento científico de que esses mamíferos são capazes tanto de emitir, quanto de ouvir, sons de alta freqüência muito alta, acima da faixa de audição do ser humano. Cães e gatos também conseguem ouvir ultrassons, mas não os emitem. A razão disso é que roedores usam ultrassons para se comunicarem entre si, enquanto cães e gatos, atávicos inimigos de ratos e assemelhados, desenvolveram a capacidade de ouvir o ultrassons que suas presas naturais emitiam e assim poderiam melhor localizá-los. Sempre a mãe Natureza agindo. Darwin entendeu isso perfeitamente e nos explicou.
Os aparelhos ultrassônicos, teoricamente, agiriam como protetores contra roedores para uso especialmente em depósitos de alimentos evitando assim que fosse consumido ou contaminado por ratos e camundongos. O uso de estímulos ultrassônicos para repelir ou controlar roedores apóia-se em parte no fenômeno conhecido como resposta audiogênica aguda que envolve sinais fisiológicos de estresse exibidos por ratos quando estimulados por determinados sons e ultrassons originados, por exemplo, pelo simples balançar de uma penca de chaves (quanta coisa interessante e útil já foi descoberta por acaso, bastando haver um observador atento por perto!). Esse mesmo fenômeno foi observado, além de ratos, em camundongos, coelhos, galinhas, cães e cabras. Centenas de trabalhos foram publicados sobre esse fenômeno audiogênico em ratos no laboratório que é caracterizado em sucessivas fases: um período latente com a reação de um salto inicial seguido de movimentos rápidos do rato em torno de sua gaiola, rápidas corridas sem direção, convulsões tônicas e clônicas seguidas por completa recuperação ou morte. Estímulos cerebrais repetidos através desses ultrassons podem levar a hemorragias cerebrais fatais. Certas linhagens de camundongos são extremamente sensíveis a esses fenômenos, enquanto nos ratos a resposta e variável segundo a idade. Marsh, em 1962 (um dos raros trabalhos científicos sobre o tema), observou resultados negativos com um gerador de 15 a 16 kilohertz (kHz) produzindo sons até 100 decibéis (dB). Outro pesquisador, Sproke em 1967, não conseguiu repelência consistente usando um gerador sônico/ultrassônico entre 1,8 e 48 kHz produzindo de 60 a 140 dB. Interessante, um pesquisador chamado Sprock em 1967 apresentou uma variante: ele gravou os gritos sônicos e ultrassônicos de um rato capturado e morto por um gambá e usou a gravação para repelir outros ratos de um local infestado e concluiu que esse método foi bem mais eficaz que os aparelhos ultrassônicos; o método, contudo, não foi transformado em aparelho comercial, porque os gritos do rato capturado eram inaceitáveis para os seres humanos. Mas vamos voltar ao assunto.
Roedores são insensíveis a sons audíveis de baixa freqüência (menos de um kHz), seres humanos também. À medida que a freqüência sobe e entra na faixa do ultrassom, os humanos deixam de registrar o som produzido enquanto os roedores continuam a ouvi-los. Para que os roedores acusem os sintomas que descrevemos acima e sejam, portanto afetados, é preciso que as freqüências emitidas pelos aparelhos sejam bem mais altas (acima de 140 dB). Mas, e aí reside o perigo, nesse mesmo ambiente, uma pessoa não estaria ouvindo o ultrassom, embora seu cérebro esteja “registrando” o som agressivo e tentando se defender de alguma forma. Em minha opinião, OS APARELHOS ULTRASSÔNICOS NÃO DEVERIAM SER UTILIZADOS EM AMBIENTES ONDE PESSOAS PERMANEÇAM POR LONGOS PERÍODOS DE TEMPO (há vários trabalhos científicos sobre o tema demonstrando os efeitos sobre os seres humanos de acordo com o tempo de exposição ao ultrassom). Com o tempo, distúrbios locomotores e até perda da audição podem acometer o infeliz exposto a essa sonzeira toda... inaudível! Em depósitos de grãos e mesmo de alimentos, ainda vá lá, mas em ambientes onde haja seres humanos, o risco, quer me parecer, seja demasiado. Será que algum fabricante de aparelhos de ultrassom coloca esse (importante) aviso em seus produtos? Nunca li nenhum em canto algum, escrito em bom português.
Assim como os sons audíveis (abaixo de 20 kHz), os ultrassons perdem intensidade à medida que nos afastamos da fonte (há uma equação matemática que explica isso, mas vamos deixar essa explicação para outro momento). A maioria dos aparelhos ultrassônicos já estudados produzem ultrassons na faixa de 70 a 140 dB medidos a 30 cm de sua saída; a 4 metros de distância a intensidade do ultrassom já cai para um quarto da intensidade de saída. Quer dizer, o alcance efetivo de um aparelho ultrassônico pode ocorrer nos primeiros 4 m de raio, certo?
Além disso, temos outro problema. O ultrassom tem a desvantagem de ter sua energia inicial rapidamente absorvida por qualquer estrutura ou material macio (ex: tecidos, materiais isolantes), qualquer obstáculo em seu caminho (ex: papel, papelões, mobiliário), como também não contorna ângulos (segue sempre em frente desde o ponto de sua emissão), permitindo assim que os roedores infestantes rapidamente aprendam a evitar os pontos diretamente batidos pelo ultrassom.
E tem outra coisa danada contra os aparelhos ultrassônicos: a tal Mãe Natureza deu a capacidade aos roedores de adaptarem-se às condições mais adversas. Darwin, aquele, acrescentaria: “para garantir a perpetuação da espécie”. E, dessa forma, os roedores infestantes de um dado local onde se coloque um aparelho desses, acabam rapidamente se acostumando à nova adversidade em suas vidas e retomam em pouco tempo suas atividades normais de comer, beber, disputar e gerar descendentes. Tudo o que nós não queremos! Trabalhos técnicos demonstram que o ultrassom pode impactar uma colônia infestante em até 50% apenas por um mês. Depois disso, não há garantias.
Resumo da ópera: em minha opinião (que foi devidamente solicitada) os aparelhos ultrassônicos são impotentes (para não dizer inúteis) no sentido de controlar roedores. Ponto. Mesmo porque, para esses aparelhos... “-La garantia soy yo!”
É isso amiga Alice e demais leitores interessados.

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