sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O “CAUSO” DO REI DOS RATOS


Faz um tempão que não conto um dos “causos” de minha vida profissional, então vou voltar a contar um deles neste post. Trata-se do “causo” do Rei dos Ratos. Corria o início da década de 70 e, na época, eu trabalhava (entre tantos empregos) na Prefeitura de São Caetano do Sul/SP, desenvolvendo e chefiando a Seção que se tornaria a atual Vigilância Sanitária Municipal. Um dia, recebi a visita de duas pessoas interessadas em promover um raticida, um dos primeiros a surgir no mercado brasileiro à base de warfarina (cumafeno). Tratava-se do representante comercial de uma empresa campineira e de Dr. J.J. (omitiremos o nome por razões éticas e mesmo porque esse senhor já deve ter falecido. Se não faleceu, já deve estar para lá de Bagdad com uns 130 anos talvez!). Era um biologista canadense de língua francesa que mal falava português, contratado pela empresa distribuidora para assessorar tecnicamente as vendas. Estou falando de uma época onde bem poucos profissionais neste país entendiam alguma coisa de roedores, assunto então praticamente desconhecido; eu já havia me interessado por esse tema e já havia começado a estudá-lo meio na raça e com grande dificuldade, pois não existiam as facilidades incríveis que a Internet trouxe, décadas depois.
Pois bem, na entrevista, começou o tal de J.J. a discorrer sobre roedores, sequer imaginando que estava conversando com outro profissional que talvez já conhecesse um pouco do assunto. À medida que palrava, ia se entusiasmando e eu mais me mostrava interessado, posto que os disparates que ele contava como se verdade fossem, muito me divertia. Em um dado momento, ele começou a falar da existência de diversos reis dos ratos, afirmando que ele próprio havia sido testemunha ocular do encontro de alguns desses reis. Ao final da divertida entrevista recebi, das mãos do representante comercial da empresa, um verdadeiro tesouro: uma pequena cópia impressa de uma palestra do Dr. J.J. sobre ratos, a qual sempre guardei como preciosidade até a presente data. Vou reproduzir fielmente alguns trechos desse opúsculo, apenas corrigindo um pouco o português para torná-lo mais compreensível:
Dizia Dr. J.J.:- "... e nós mesmos tivemos a ocasião de encontrar em uma cova na Província de Quebec no Canadá, exatamente em Granby, uma corte do rei dos ratos. Assim chamamos a um conjunto insólito de uma vintena de ratos atados todos pelas caudas e vivendo assim por anos. A que se destinava essa corte, nós perguntávamos. À reprodução? Seus aparelhos genitais eram particularmente desenvolvidos. À comandar? Seus cérebros eram muito mais volumosos que os ratos normais. Não temos respostas” (nessa altura, interrompi o relato perguntando se ele havia tirado uma foto dessa corte ao que ele negou).
E J.J. continuava explicando com cara séria:- “... eu vos descrevo esses indivíduos: eles medem 72 cm de altura, em média pesando 2,800 a 3kg, com pelos longos de 6 a 7cm, embranquecidos pela idade (caramba, pensei, se eu um dia me visse diante de um rato desses, ia sair correndo!).
Acrescentou ele, percebendo meu interesse: “... Essa corte de 20 ratos estava deitada em um leito de lã picada e ao redor dela encontramos cerca de 800 cadáveres mais ou menos de ratos enormes, os quais, ainda que menores, não pesavam menos de 2kg cada um. Alguns desses ratos tinham um aparelho digestivo um tanto especial: eles tinham um estômago de refluxo... pensamos que esses ratos deveriam comer primeiro o alimento destinado aos seus senhores e devolviam o deglutido a seus mestres que, assim, não tinham nenhum esforço a fazer. Seria isso uma espécie de geléia real? Pensamos que sim, pois esses ratos deitados tinham, segundo nossos exames, 35 anos de idade.” (A essa altura, eu já estava sem fala!)
E J.J. arrematou com voz grave e expressão séria, em tom de ameaça quase:- “... eu penso que existe em todas as cidades do Brasil, um rei dos ratos” (Pronto, pensei! Eu estava frito. Minha pequena São Caetano com um rei e sua corte de 20 ratos!). Mas, para meu alívio, aduziu: “... a confirmação ainda não foi feita, pois eles são extremamente difíceis de serem achados. Aquele de Granby, estava a 16 metros do nível da terra embaixo de um segundo porão de uma casa, em uma cova de 1,80m de altura e 3m de diâmetro, com condutores de ar que mediam até 65m de comprimento e com sifões que impediam a inundação da cova”. (Mas que imaginação tinha o gajo! Desde aquele momento até hoje, acho que essa apostilazinha daria em um excelente roteiro para um filme de ficção e terror)
Essa entrevista durou umas duas horas, se lembro. Talvez um pouco mais, pois eu me mostrava propositalmente fascinado. Com certeza eles já estavam dando como certa a venda de um zilhão de toneladas do tal raticida para minha Prefeitura. Ficaram até hoje de mãos abanando, ainda que eu renda minhas justas homenagens póstumas ao Dr. J.J. por sua extraordinária capacidade imaginativa. Nunca encontrei em toda minha vida profissional, alguém com criatividade parelha a daquele senhor. Bem, na verdade encontrei, mas sobre esse honroso segundo lugar, falarei algum dia, depois que ele falecer, obviamente!
E nesse ritmo a entrevista continuava com o J.J. acrescentando novas e incríveis pérolas de conhecimento sobre roedores. Mas, volto ao assunto outro dia e lhes conto. Aguarde.

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