Em minha vida profissionalde de mais de 40 anos controlando pragas (pelo menos tentando), me deparei com muitas situações inusitadas e acabei registrando um ou outro "causo", aquelas historinhas engraçadas ou que parecem mentira. De algumas, participei diretamente e/ou fui observador presente; outras vezes, ouvi de pessoas comuns com quem tive o grande prazer de tropeçar em minhas andanças por nosso imenso país. Lembrei-me de um certo "causo" muito curioso e que quero compartir com meus leitores. Trata-se de um acontecido em uma residência na zona rural de uma família simples e que me foi relatado entre risadas pela própria senhora moradora dessa casa localizada em algum lugar de Santa Catarina. Entitulei esse "causo" de "O Mistério da Panela de Arroz". Contou-me que ali morava ela, seu marido (ambos já um pouco idosos) e um jovem estudante pensionista descendente de orientais, recém chegado,bom moço, admitido para melhorar um pouco as finanças do casal, em regime de meia pensão incluídos café da manhã e jantar. Procurando deixar o pensionista bem à vontade, mas não querendo ruídos noturnos na casa que pudessem interromper o sono do casal, Dona Maria (um nome fictício) o instruiu para que comesse à vontade no jantar, pois não haveria direito à boca livre durante a noite. Na manhã seguinte, Dona Maria encontrou a panela de arroz destampada sobre o fogão e semivazia e imaginou que o pensionista japonês havia, contrariando a regra da casa, feito uma visita noturna às sobras do jantar em altas horas. Na noite seguinte e na consecutiva, o fato se repetiu. Dona Maria ficou agastada e resolveu espreitar à noite para convencer-se do fato e confrontar o elemento nipônico, pois não queria levantar falso. Lá pelas tantas, da cama, Dona Maria percebeu que a luz da cozinha se acendeu, ouviu a tampa da panela de arroz sendo removida ruidosamente e depois um silêncio por alguns minutos. Em seguida a luz foi apagada e fez-se completo silêncio. Dona Maria ficou realmente irritada com o pensionista e despertou o Seu Mateus (outro nome fictício) para lhe contar o sucedido, qualificando a si mesma como testemunha de acusação. Seu Mateus não queria acreditar a princípio e contestou dizendo que Dona Maria deveria estar sonhando e confundindo com a realidade. Naturalmente Dona Maria não gostou nem um pouco da dúvida que pairou sobre seu fiel testemunho auricular e retrucou, dando início a mais uma daquelas intermináveis discussões entre marido e mulher. Tentando conciliar o problema gerado e desejando voltar logo a dormir, Seu Mateus propôs que os dois ficassem acordados na noite seguinte para juntos testemunharem o crime, o que foi aceito por Dona Maria que sentiu-se satisfeita com o plano. Ela mal pode dormir aquela noite e passou o dia inteiro aguardando a peritagem noturna. Mal terminou de jantar, já recolheu-se ao leito, notificando o jovem pensionista que iria fazê-lo e que provavelmente iria dormir pesado, de tão cansada que se encontrava. No quarto ficou o casal a ler e a ouvir baixinho um solerte programa de rádio que tocava músicas sertanejas com dedicatórias tipo "de fulano para sicrana com muito amor". A noite avançava e entre cochilos e sobressaltos o casal aguardava os acontecimentos. Por volta do mesmo horário na madrugada, de repente, a luz da cozinha foi acesa. Dona Maria e Seu Mateus apuraram os ouvidos e em seguida ouviram o som de destampar a panela; silêncio e depois a luz foi apagada. Levantaram-se pressurosos e foram diretamente à cozinha onde acenderam a luz e viram a prova do crime: a panela de arroz estava semivazia novamente. Dona Maria não cabia em si de contentamento, pois havia provado seu testemunho. Seu Mateus, intrigado, observou que só o arroz fora comido e não havia sinais de ataques paralelos a outros alimentos; imaginou que sendo descendente de orientais, o pensionista se interessava em forragear apenas no arroz. Foram rapidamente à porta do quarto do moço tentando auscultar ruídos que demonstrassem estar ele acordado, mas nada conseguiram ouvir. Voltando au quarto, discutiram o assunto e após muitas considerações resolveram que deveriam surpreender o larápio durante a ação gastronômica na próxima madrugada. Que lástima iria ser, consideraram, pois o rapaz era tão bonzinho, tão educado, mas tinha essa falha de caráter. Na noite seguinte, nem mudaram as roupas e Seu Mateus sequer descalçou as botinas; apenas aguardavam o momento final para resolver ao vivo o mistério da panela de arroz. De madrugada... pimba! A luz da cozinha foi acesa e a panela foi destampada. Solertes, os dois pularam da cama e rapidamente entraram de sopetão na cozinha preparadíssimos para dar um grande pito no jovem nissei larápio de arroz. O que viram? Um rotundo rato preto, bem cevado, enfiado no arroz da panela, apenas com as patas trazeiras na borda, mastigando com deleite seu jantar de cada noite. Os dois ficaram aturdidos sem entender nada do que se passava e maior susto levou o rato com a súbita aparição do bicho homem durante sua calma refeição. Rapidamente o rato volteou o corpo, abandonou a panela e celeremente fez seu trajeto de volta à segurança do ninho: de um salto alcançou o cano externo à parede onde corriam os fios elétricos instalados pós contrução da casa dispondo de um daqueles interruptores de luz tipo circular tão comuns; em velocidade, agarrado ao cano, passou sobre o interruptor e... a luz da cozinha se apagou! Estava finalmente esclarecido o mistério da panela de arroz! Quando o rato descia do forro usando o cano de fio elétrico como via de acesso, passava sobre o interruptor acendendo a luz; destampava a panela, coisa que um rato aprende a fazer com grande facilidade e se alimentava; quando voltava ao ninho usando a mesma rota contrária, seu corpo tocava o interruptor e a luz se apagava.
Enquanto isso, no seu quarto de estudante, o tranquilo pensionista japonês dormia seu sono de inocência. No café da manhã, encontrou ele outro clima em casa, bem mais afável. Não entendeu bem o porquê da mudança do casal que voltara a tratá-lo com sorrisos e amabilidades, mas imaginou que isso era coisa de brasileiros, tão esquisitos!
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
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