segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

MOMENTO CULTURAL I: OS ROEDORES E A PESTE BUBÔNICA (parte I)


Atendendo a solertes pedidos, para contrabalançar os Momentos Cultura Inútil, vamos iniciar uma série de Momentos Culturais onde conversaremos sobre alguns fatos interessantes que direta ou indiretamente povoam o mundo das pragas e seus controladores. A leitura desses tópicos deve ser feito como passatempo, OK? O assunto escolhido hoje, é um de meus preferidos: os roedores e a peste bubônica.
A peste bubônica é uma doença de curso letal quando não tratada. É causada por uma bactéria pasteurela Yersinia pestis e transmitida pela pulga contaminada dos ratos. A peste na sua forma pneumônica, é transmitida de pessoa para pessoa através de gotículas de saliva (gotículas de Pfflügen) expelidas durante a tosse ou espirro do enfermo. A peste varreu o mundo antigo por diversas vezes em pandemias que chegaram a alterar o rumo da história, até o advento dos antibiótico na década de 40 do século passado. No Brasil, a peste ainda grassa de forma endêmica em algumas regiões do Norte e Nordeste. Embora seja originalmente uma doença de roedores, a infecção se transfere para o homem sob certas circunstâncias, quando a pulga infectada (Xenopsylla cheopis) não encontrando mais roedores para se alimentar (geralmente porque a colônia já morreu), pica o homem. Portanto, para que ocorra essa passagem para o homem, é preciso que haja promiscuidade entre roedores, pulgas e homens. Na Antiguidade, as cidades (assim como em muitas favelas dos dias de hoje que cercam as metrópoles, especialmente as do terceiro mundo) apresentavam uma situação perigosíssima. O lixo doméstico era simplesmente jogado nas ruas na maioria delas, sem que nada e ninguém os recolhesse. Dessa forma, servia de alimento para porcos que, certamente, disputavam com cães e roedores cada naco, cada pedaço de qualquer coisa que pudesse ser ingerida. Nessas cidades já invadidas por uma ou mais espécies de roedores sinantrópicos, praticamente todas as casas se encontravam infestadas em maior ou menor grau. A higiene pessoal era semelhante a aquela encontrada nas ruas. Não havia água corrente e a água limpa era escassa; portanto, banhos e lavagem de roupas era uma ocorrência excepcional, se tanto, uma vez ao ano! Por que você acha que os franceses inventaram os perfumes? As pessoas, mesmo em casa, dormiam em recintos coletivos sobre catres de palha. Festa para piolhos e pulgas o ano inteiro.
A peste chegava às cidades geralmente de navio, cargueiro ou militar, ou então vinha nas carroças das caravanas comerciais ou ainda com os soldados contaminados de volta à casa (naquela época, depois dos ratos, o que mais tinha eram guerras!). Diante dos primeiros casos locais de peste, a doença tinha sua presença negada. Alessandro Manzoni, escritor italiano (1785 – 1873) em seu romance histórico Os Noivos, contava que era proibido falar em peste e quem quebrasse essa regra de silêncio era exposto ao escárnio público e execrado. Compreensível até essa negação por parte das autoridades, temerosas do pânico da população (até manifestações de luto por uma morte devido à peste eram proibidas) e principalmente com medo que as relações comerciais com outras cidade fossem cortadas. Com efeito, para uma cidade, uma quarentena significava ruína dos negócios, dificuldades de abastecimento de víveres, desemprego, caos econômico e possivelmente baderna geral. Acreditava-se que a epidemia cobrava um tanto de vidas e depois refluiria. Portanto, era melhor calar. E esperar. Até os médicos que ousassem diagnosticar a peste em um paciente ou cadáver, deveriam rever seus diagnósticos sob ameaça das autoridades e corriam o risco de serem linchados pela multidão enfurecida. No entanto, com o progredir da epidemia, chegava um momento que não era mais possível esconder a verdade. Nas ruas, em todas as ruas, pilhas de cadáveres aguardavam recolhimento que quase não vinha. Era um verdadeiro campo de batalha. A quantidade de cães vadios vagando pelas ruas por terem perdido seus donos que os alimentavam e que passavam a se alimentar dos cadáveres, crescia assustadoramente. O que fazer, se nem as causas da doença eram conhecidas. Quem poderia imaginar que por trás desse enorme problema estavam os ratos! Esses animais, da mesma forma que as pulgas, sempre estiveram presentes nas cidades, nas moradias de qualquer cidadão ou autoridade. Não havia como ligar o rato à peste. Havia teorias astrológicas e outras superstições que explicavam a propagação da peste, mas a hipótese predominante era que a doença era transmitida por miasmas, um ar maligno envenenado que ninguém sabia definir exatamente o que era, mas que bastava ser respirado para que o indivíduo contraisse a peste. Por isso, a profilaxia era praticada através de fogueiras nas encruzilhadas de ruas visando purificar o ar. Também era popular o uso de lenços cobrindo o nariz. Um célebre médico francês da época, Dr. Parè, professor da Sorbonne, ensinava a seus alunos que “em épocas de peste, é preciso manter-se alegre, em restrita e boa companhia e, à vezes, ouvir cantores e instrumentos musicais ou entreter-se com agradável leitura”.A análise dos remédios recomendados pelos médicos para combater a doença merece um comentário à parte, mas isso vai ficar para um próximo post, porque este aqui já ficou longo demais. Os leitores que se interessarem por essa narrativa, aguardem alguns dias, OK?

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