segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

MOMENTO CULTURAL I: OS ROEDORES E A PESTE BUBÔNICA (parte III)


Continuando a contar esse breve momento que durou quase três séculos na história da humanidade. A peste (foram várias as epidemias e pandemias na Idade Média devastando o mundo conhecido de então) corria solta de cidade em cidade cobrando altíssimas taxas de mortalidade. A ignorância, o desconhecimento e o medo geravam comportamentos anteriormente inimagináveis. Nas ruas, os coveiros faziam o que podiam e, devido à teoria da inalação de “eflúvios malignos”, as pessoas procuravam se livrar o mais rápido possível dos cadáveres dos pestosos. Eram tirados rapidamente das casas e jogados em qualquer esquina; dos sobrados e casarões, eram até descidos por cordas e roldanas ficando suspensos no ar até que os coveiros dali os removiam com varas compridas dotadas de ganchos, indo parar em carroças já apinhadas de outros cadáveres. A carroça lúgubre seguia seu destino precedida por um coveiro que tocava um sininho; muitas vezes, ao ouvir o tal sininho se aproximando, as pessoas se desfaziam até de vítimas semimortas, já que iriam morrer mesmo!
Pois bem, essa situação desesperançada gerava outra, profundamente odiosa: a caça aos “culpados”. Em 1348 na Europa, os desgraçados leprosos foram incriminados pela propagação da peste porque teriam se unido carnalmente a pessoas sadias, imaginem! Foram caçados e queimados em praça pública em massa. Logo depois, como não poderia deixar de ser, foi a vez... dos judeus, como sempre! Na Peste Negra de 1348, já em uma atmosfera carregada de antissemitismo, os judeus foram acusados de espalhar a peste ao envenenar poços e mananciais. Em Estrasburgo, Colônia, Barcelona, Stuttgart e em muitas outras cidades, foram organizados “pogrom” (caça e morte de etnias) contra os judeus que eram levados às fogueiras por multidões iradas e descontroladas. Também teve as vez dos “estrangeiros” e novos pogrom aconteceram dirigidos contra as comunidades de estrangeiros residentes nas cidades. Daí, a moda pegou e qualquer diferença (inclusive de religião ou linhagem) já era suficiente para desencadear a ira do povo contra as minorias. Foram massacrados os escravos muçulmanos, os tártaros e outros grupos. A morte desses infelizes era sempre precedida por torturas inenarráveis (tenazes incandescentes, membros amputados, olhos perfurados, ossos longos quebrados, suplício por horas na roda, degola e depois queimados). Era 1630, nas calendas de agosto! Daniel Defoe descreve tais cenas com muito realismo em seu Diário da Peste. Marcel Camus foi brilhante nas narrativas de seu romance A Peste.
Seguiam os cadáveres se amontoando nas ruas e os sobreviventes, ante a certeza de uma morte dolorosa e sofrida, entregavam-se a comilanças, orgias, badernas e libertinagem. Era preciso aproveitar enquanto ainda se estava vivo. Não havia esperanças, não havia o amanhã, não havia salvação.
Mas, finalmente, a peste arrefeceu. Depois de um violento e derradeiro pico, aplaca totalmente. O que eles não sabiam é que a peste igualmente grassava dentro das populações dos ratos pretos (Rattus rattus), a espécie urbana da época, cobrando um alto preço em vidas desse roedores. Morriam igualmente aos milhares e com eles, depois de certo tempo, suas pulgas transmissoras. Dessa forma, a absurdamente grande população de ratos das cidades foi rareando e praticamente desapareceu. O ciclo da peste havia sido radicalmente cortado de forma natural. Após as terríveis epidemias dos séculos 17 e 18, a peste bubônica praticamente despareceu da Europa (mas não no Oriente). Outros acontecimentos certamente ajudaram no processo como a evolução arquitetônica das cidades quando os telhados de palha foram substituídos por telhas, dificultando sobremaneira a coexistência dos Rattus rattus nas residências. Em certas cidades, grandes incêndios devastadores geraram sua reconstrução que já era feita segundo moldes mais salubres com galerias de esgotos, por exemplo, como ocorreu em 1666 em Londres, quando a peste então desapareceu. Uma hipótese bastante defendida pelos estudiosos do assunto, relata que nesse momento surgiu na Europa os Rattus norvegicus, maiores, mais agressivos, dominantes e, na época, imunes às pulgas dos Rattus rattus. Como se sabe, as ratazanas não gostam nem um pouco de viver dentro das residências como os ratos pretos; portanto a convivência homem/rato ampliou os espaços físicos e as pulgas já não tinham a mesma facilidade anterior para sugar a espécie humana.
Contudo, nos Balcãs (Turquia) e em vários outros países, na Índia, Russia e na China, a peste começou a penetrar de forma avassaladora, mas os tempos já eram outros e a fatídica experiência europeia ajudou a evitar a grandeza do desastre. Em 1894, explodiu uma epidemia em Cantão e Hong Kong (China) e as instituições sanitárias da Europa para lá enviaram diversas equipes de médicos e cientistas para estudar a doença. Ao mesmo tempo, embora através de pesquisas independentes, dois bacteriologistas conseguiram finalmente isolar o famigerado bacilo pestoso: o suíço Alexandre Yersin e o japonês Shibasaburo Kitasato. Até hoje, discute-se qual deles teria sido o primeiro a ver ao microscópio a Yersinia pestis, ainda que no lado ocidental, o bacilo da peste seja chamado Bacilo de Yersin. Depois do advento dos antibióticos na década de 40 do século passado, a peste passou a ter cura radical. Qualquer tetraciclina da vida é capaz de aliminar o bacilo pestoso. Até quando? Será que esses bacilos não estão preparando uma linhagem de resistentes, como aconteceu com os estafilococos e gonococos que dão risada da velha penicilina? Sem falar nas cepas preparadas para servirem de armas biológicas militares, o que não é propriamente uma novidade. Por exemplo: em 1646 a República de Veneza tentou disseminar a peste entre as tropas turcas que ocupavam a Dalmácia, então uma colônia veneziana. Muito mais tarde, em 1940, quando o Japão ocupava militarmente uma parte da China, cientistas japoneses pertencentes à famigerada Unidade 731, comandada pelo General Shiro Ishii, lançaram de avião milhares de pulgas de ratos contaminadas sobre toda a província de Check Yang, disseminando um epidemia de peste bubônica entre a população civil chinesa. Hoje, os militares se desinteressaram da Y.pestis como arma biológica (porque o tratamento é fácil) e suas atenções estão voltadas para o antraz (carbúnculo), o bacilo da cólera (para contaminar mananciais de água), os vírus da Dengue (lançados de avião em penas de aves), o vírus variólico (que infectaria o mundo, já que a doença foi considerada extinta da face da Terra e a vacina, antes obrigatória, foi descontinuada) e o vírus Ebola.
É... que seres tão destruidores são esses que habitam o planetinha Terra, o terceiro a contar do Sol, uma estrela pequenininha de apenas 5ª. grandeza, em um ponto perdido da galáxia chamada Via Láctea, de pouca importância no Universo!

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