quinta-feira, 9 de setembro de 2010

SOBRE OS PERCEVEJOS DE CAMA (BEDBUGS)


Ilha de Manhattan, Cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos, imediações do Central Park (a região mais cara da cidade), um Hotel 5 estrelas (verdadeiro luxo com diárias começando em USD 450), 25º andar, suíte 2514, Mr. Kimberley e sua esposa, depois de um ótimo jantar com amigos locais no Iroquois regado a Beaujolais safra 2006 (uma excelente safra na França), aninham-se nos finos lençóis de uma cama king size (6 travesseiros de plumas de ganso). Final perfeito para um dia perfeito. Conversam trivialmente sobre os acontecimentos do dia e o sono rapidamente chega. Mas, nem bem começavam a dormir e um pinicão nas costas de Mr.Kimberley meio que o acorda; outro pinicão no braço desta vez e mais outro na barriga da perna o acordam completamente. A Sra. Kimberley também acorda, pois sentira uma pinicada na barriga. Luz acesa, procuram ver se havia algum bicho naquela cama que pudesse estar atacando o casal, pulgas talvez, para espanto dos dois. E, horrorizados, observam... meia dúzia de uns insetos pequenos correndo entre os lençóis tentando fugir da luz. O indignado Mr. Kimberley pelo telefone chama a Recepção e despeja seu irritado protesto. Claro, o Hotel fez um acordo para evitar que fosse processado e que a notícia pudesse ser veiculada pela imprensa.
Ficção científica? Historinha romanceada para despertar a atenção de nossos leitores? Nada disso... pura realidade! De repente, a cidade de Nova Iorque declarou-se infestada por percevejos de cama (que eles chamam de bedbugs). Com o advento do DDT na década de 40, os percevejos haviam sido eliminados como pragas nos centros urbanos, mas em 1995 eles começaram a reaparecer nas cidades (a primeira a acusar o problema havia sido Londres). Os hotéis entraram em polvorosa, os residentes buscaram socorro, houve até quem achasse que era um ataque biológico do Bin Laden! As empresas controladoras de pragas subitamente tornaram-se a bola da vez, como se diz por aí. Nunca tiveram tantos chamados de urgência, nunca fizeram tantos negócios, nunca tiveram tanta importância como então. Há dados que permitem afirmar-se que, hoje, aproximadamente de 25% dos hotéis americanos apresentam-se, ou já apresentaram-se, infestados por percevejo. Tenho recebido com maior freqüência e-mails pedindo informações sobre essa nova praga. Quer dizer, o ressurgimento dos percevejos de cama é um fato, talvez, mundial!
Nova praga? Nem tanto! O Cimex lectularius, percevejo de cama, já é um velho conhecido nosso e no interior, onde ainda muito se usa colchões estofados com crina de cavalo ou com palha, esses insetos adoram se esconder para aguardar o cair da noite, hora de sua refeição preferida: sangue humano. Então, nos modernos colchões de molas, ou de espuma, eles não se alojam? Pois sim! Estão lá para azucrinar a noite dos incautos que ali deitarem. Vamos dar uma olhada mais de perto nesses percevejos bem adaptados a viver nos centros urbanos.
Os percevejos comuns (Cimex lectularius) são insetos hematófagos estritos, quer dizer, ou se alimentam de sangue ou se alimentam de sangue, de preferência humano, embora possam sugar animais de sangue quente. São atraídos até suas vítimas pelo gás carbônico exalado durante a expiração, depois pelo calor e certamente por alguns odores. O percevejo perfura a pele da vítima com um aparelho bucal composto de dois tubos: por um, ele injeta sua saliva que contem uma substância anticoagulante e outra que é anestésica; pelo outro tubo sugam o sangue (que evolução, não! Darwin foi um gênio). Depois de sugar por uns 5 minutos, buscam um esconderijo para digerir o alimento sem ser incomodado (voltam para dentro do colchão ou buscam algum orifício, rachadura ou oco na estrutura da cama). Embora o percevejo possa sobreviver um ano sem se alimentar, em condições normais ele se alimenta a cada cinco ou dez dias. Em 2009 foram publicados relatos científicos do surgimento de linhagens de percevejos já resistentes a certos inseticidas. Aprendi na infância que quando a gente esmagava um percevejo, ele liberava um cheiro muito ruim e desagradável; por isso a turma deixava em paz um percevejo quando encontrado. Hoje eu sei que o percevejo criou uma forma de defesa contra seus predadores, exalando dois feromônios fétidos, o 2-octenal e o 2-hexenal. Os percevejos se desenvolvem por metamorfose incompleta (ovo - seis estágios ninfais – adulto). Combatê-los com organofosforados e mesmo com os proscritos organoclorados não vai adiantar nada porque eles se tornaram resistentes a esses inseticidas. Algumas populações de percevejos especialmente no hemisfério norte, já exibiram sinais de resistência até contra alguns piretróides (como a deltametrina). Testes recentes com essas populações resistentes demonstraram, felizmente, que o hidroprene os elimina, como também o carbamato propoxur (disponível no mercado brasileiro). Até hoje não foi possível provar que o percevejo atue como transmissor de qualquer zoonose à espécie humana; dessa forma, eles são responsabilizados apenas por dermatites, reações cutâneas alérgicas e outras reações locais; em casos raros de pesado ataque de percevejos, sem serem combatidos, alguns problemas sistêmicos podem surgir.
Olha o percevejo aí, gente!

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